Narrativas surdas

No nosso curso, vamos entender como o estudo de caso na área da saúde é uma maneira prática de aprender. Neste estudo, você pode explorar situações da vida real que envolvem pacientes e seus sintomas, o que auxilia muito na sua aprendizagem.

Estudar casos reais é importante na área da saúde. Isso porque você vai lidar com pessoas e suas histórias de vida. Ao explorar esses casos, você vai se preparar melhor para entender e ajudar os pacientes no futuro.

Alguns pesquisadores já estudaram e comprovaram a eficácia do estudo de caso. Estes dizem que é uma excelente maneira de aprender sobre situações médicas da vida real.

Dessa forma, vamos problematizar as narrativas surdas abordadas a seguir e por meio destas amostras iremos realizar o estudo selecionando, interpretando e analisando os dados apresentados em Libras pelos surdos para o contexto da  saúde.

ATIVIDADE AVALIATIVA: ESTUDO DE CASO

Instruções:

Nesta atividade, você analisará um estudo de caso apresentado em vídeo, focados em situações da vida real que envolvem a comunicação em Libras no contexto da saúde. O objetivo é interpretar as situações, identificando os pontos positivos e negativos, bem como, qualquer problema que possa ser resolvido.

Ao final da atividade, você deverá fornecer uma crítica sobre os estudos de caso.

Passo 1: Assista aos vídeos

Assista a um vídeo dos estudos de caso a seguir. Observe cuidadosamente as interações em Libras e as situações.

Passo 2: Interprete as situações

Faça uma interpretação das situações. Identifique os pontos positivos, ou seja, o que foi feito de forma eficaz na comunicação em Libras, e os pontos negativos, onde a comunicação pode ter enfrentado desafios.

Passo 3: Analisar os problemas

Pergunte a si mesmo se há algum problema significativo que surgiu na comunicação em Libras nos vídeos. Considere se esses problemas poderiam ter sido evitados ou resolvidos de maneira diferente.

Passo 4: Registre suas observações

Escreva suas observações e análises em um documento e inclua detalhes sobre os pontos positivos, pontos negativos e quaisquer problemas identificados nos vídeos.

Passo 5: Opinião crítica

Compartilhe sua crítica sobre o estudo de caso. Discuta o valor desses estudos de caso na compreensão da importância da Libras na comunicação e identifique possíveis melhorias ou recomendações para situações semelhantes no futuro.

VÍDEO 1 – NARRATIVA SOBRE VIVÊNCIA COMO DOULA SURDA – SABRINA

Transcrição

Tela com fundo preto contendo texto em branco. Esta licença permite que outros adaptem, remixem e criem a partir deste trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam ao autor o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Este vídeo contém audiodescrição e acessibilidade em libras.  

Vinheta em movimento onde quatro quadrados se conectam como em um quebra-cabeça. Em cinza, Trilhas da Inclusão, formação básica em acessibilidade comunicacional. Tela com fundo branco e azul. A parte branca ocupa a esquerda e o centro e se conecta com a parte azul à direita como uma peça de quebra-cabeça. Os textos estão em azul e preto. Trilhas da inclusão na perspectiva da deficiência auditiva: relato de experiência.

Sabrina Lage, bolsista, Icict.

No rodapé, quatro peças de um quebra-cabeça estão encaixadas formando um quadrado. A primeira tem fundo azul com a logo do SUS em branco. A segunda tem fundo marrom com a silhueta do castelo da Fiocruz em branco. Abaixo, a terceira tem fundo roxo e o desenho em branco de uma lâmpada acesa. A quarta com fundo verde, o desenho de uma figura humana de braços e pernas abertas com moldura circular. Ao lado, o texto em cinza escuro. Trilhas da Inclusão: Formação básica em acessibilidade comunicacional. 

Sabrina é uma mulher branca, de pele morena. Tem os cabelos castanhos lisos na altura do pescoço, usa a blusa vermelha, está de pé em um ambiente ao ar livre, arborizado.

Uma das principais formas de violência obstétrica é a violência linguística. Surdas gestantes, por exemplo, durante o pré- Natal, ao serem avaliadas pelos profissionais de saúde, a única informação que recebe é: “está tudo bem”. E simplesmente são dispensadas. E vão para casa com aquele vazio. É esquisito ver uma gestante ouvinte passar horas em uma consulta, enquanto uma surda fica apenas alguns minutos. E não é só isso, muitas mulheres surdas se queixam, por exemplo, que levaram um intérprete às consultas vai resolver todos os problemas, mas não é bem isso que acontece. Acaba se criando uma conversa paralela entre um médico e a intérprete, e a surda fica lá, abandonada, como se a gestante fosse a intérprete. Há relatos de que intérpretes foram proibidos de entrar no centro cirúrgico. O que impossibilita o paciente surdo de saber os procedimentos que serão realizados. O que vão fazer agora? Se vão aplicar anestesia e esterilizar a região?  É para sentar? Com muita luta, alguns conseguem fazer valer esse direito, que é um direito linguístico. Meu sonho é que os sistemas de saúde possam ter um banco de dados que contenham informações sensoriais dos seus usuários. Se são surdos, deficientes auditivos, enfim. 

Além disso, que os profissionais de saúde sejam proficientes em libras. Claro, isso nem sempre será possível, porém, quando não que seja disponibilizado um intérprete. 

Talvez a principal emergência seja desfazer esses estereótipos que construíram sobre as pessoas surdas. Como se nós surdos, não fôssemos sujeitos cognoscentes ou não tivéssemos a capacidade de distinguir informações. Ou ainda, por utilizarmos uma língua de sinais, ocupamos uma posição subalterna devido a um atraso na linguagem e por isso não aprendemos a língua padrão. Essas questões me incomodam bastante. De modo geral, as mudanças precisam começar bem do básico. As pessoas precisam entender que o surdo é um sujeito com cognição preservada e que sua principal diferença é a linguística. Os profissionais de saúde precisam ser ensinados, como adaptar informações de forma que os surdos possam entender, já que são pessoas, e pessoas são diversas. Da mesma forma que se veem particularidades em comunidades rurais, indígenas ou migrantes. É fundamental considerar as línguas de sinais. 

No caso das pessoas surdas houve situações de familiares arrancarem à força bebês de suas mães surdas por não considerarem que elas teriam capacidade de cria-los. Algumas mulheres surdas já foram negativamente surpreendidas ao tentarem um segundo filho e descobrirem que foram laqueadas sem terem sido avisadas. Espero que esse curso possa contribuir para que os profissionais de saúde refitam sobre a sua prática e que eles mesmos compreendam o que podem melhorar. Principalmente em relação à comunicação e enxergar a pessoa surda como um sujeito de direito, seja de direito à informação, direito ao cuidado e à saúde plena. Desejo que cada profissional seja um multiplicador do que aprenderam aqui, pensando em saúde integral. Também é fundamental a criação de material didático. Com cartilhas que sejam acessíveis por meio de ilustrações, vídeos e legendas. O cuidado em saúde vai além de um tratamento, começa com a saúde preventiva. Em todas as etapas da vida, da infância à terceira idade. Todos têm direito a saber como cuidar de si mesmo.

 

VÍDEO 2 – NARRATIVA RELATO SOBRE VIVÊNCIA COMO PACIENTE SURDA – VANESSA

Transcrição

Tela com fundo preto contendo texto em branco. Esta licença permite que outros adaptem, remixem e criem a partir deste trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam ao autor o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Este vídeo contém audiodescrição e acessibilidade em libras.  

Vinheta em movimento onde quatro quadrados se conectam como em um quebra-cabeça. Em cinza, Trilhas da Inclusão, formação básica em acessibilidade comunicacional. Tela com fundo branco e azul. A parte branca ocupa a esquerda e o centro e se conecta com a parte azul à direita como uma peça de quebra-cabeça. Os textos estão em azul e preto. Trilhas da inclusão na perspectiva da deficiência auditiva: Vivência como paciente surda e experiência como instrutora de saúde. 

Vanessa Miro, professora de libras/INES, professora de educação/NOSS, núcleo de orientação à saúde do surdo/INES. 

No rodapé, quatro peças de um quebra-cabeça estão encaixadas formando um quadrado. A primeira tem fundo azul com a logo do SUS em branco. A segunda tem fundo marrom com a silhueta do castelo da Fiocruz em branco. Abaixo, a terceira tem fundo roxo e o desenho em branco de uma lâmpada acesa. A quarta com fundo verde, o desenho de uma figura humana de braços e pernas abertas com moldura circular. Ao lado, o texto em cinza escuro. Trilhas da Inclusão: Formação básica em acessibilidade comunicacional. 

Vanessa Miro é uma mulher branca, de pele clara. Tem os cabelos castanhos lisos na altura dos ombros, usa blusa avermelhada com decote redondo. Está sentada ao lado de uma estante com livros.

Meu nome é Vanessa. Meu sinal na libras é esse que faço na região do pescoço. Sou professora do instituto nacional de educação de surdos, o INESS, e atuo no NOSS, um núcleo de orientação à saúde das pessoas surdas e há 11 anos como educadora na área da saúde. Vou contar um pouco de minha experiência de vida. Desde pequena tenho medo de injeção. Porque na infância adquiriu uma doença chamada meningite e por isso precisei tomar várias injeções para combater essa enfermidade. Consequentemente, passei a ter pânico das agulhas e, sempre que via médicos e enfermeiras com aquelas roupas brancas, fugia dele. Associava logo ao período que fiz tratamento com tantas injeções. Não havia alguém que pudesse me aclarar sobre o tratamento medicamentoso que fiz. A falta de comunicação em libras me gerou uma fobia a ponto de até hoje me causar certa angústia de ter que ir ao médico. Embora já consiga superar vagarosamente esse trauma. Hoje entendo a necessidade de ir ao médico, mas antes o desconhecimento e a ausência da libras me provocaram, que eu relatei. Tenho dois filhos. Na primeira gravidez fiz todo o pré-natal. Realizei todos os exames e vacinas que o obstetra me encaminhava acompanhada pela minha mãe. Entretanto, durante toda a gravidez, nunca comentei com um médico o medo que eu tinha de injeções e similares. Já com nove meses de gestação, ele me informou que precisava tomar uma injeção específica na espinha dorsal antes do parto cesariana. Pedi que esperasse mais um pouco. E ele me questionou o porquê. Expliquei que tinha medo de injeção e ele me deu uma bronca por não ter informado nada até aquele momento. Se eu falasse desse medo e trauma, teria me orientado de outra forma, passaria alguma medicação para me acalmar, me disse. Eu não sabia. Por quatro vezes tentei tomar a injeção em nada, pois ficava muito nervosa, tensa e agitada. Na quarta vez é que eu consegui. Na segunda gravidez, fiz o acompanhamento com outro obstetra, pois o primeiro passou a atuar somente como ginecologista. Por causa da experiência com outro médico, me antecipei a informar ao novo obstetra dos receios e traumas de injeções que eu tinha. Este me medicou com um calmante e, de pronto, consegui tomar a injeção do mesmo período próximo ao parto. Fazendo uma analogia entre as duas gestações, posso concluir como a libras é o diferencial, meu filho mais velho tem os mesmos medos e traumas de injeção que eu. E nele, relembro minha história. Só que converso com ele em libras para se acalmar, que eu também tinha os mesmos receios, inclusive de ver médicos, enfermeiras e ver a imagem das agulhas e que não dói tanto como pensa. 

O NOSS, experiência de trabalho.

A minha experiência de trabalho no NOSS, como se dá? Atendemos diversos alunos com as mais variadas dúvidas sobre saúde. O que nos chama mais atenção é que eles nos procuram para sanar as dúvidas dos receituários. Não entendem a prescrição escrita pelos médicos, como por exemplo, o que é cada medicação, para que servem e o significado de horário dos remédios, como de 12 em 12. Os alunos surdos consideravam que a pausa de 12 em 12 entre um remédio e outro era apenas para serem ingeridos ao meio-dia e à meia-noite. Era necessário elucidar que poderiam, por exemplo, iniciar a medicação às 8:00 e contar mais 12 horas corridas e voltar a ingerir a segunda dose às 20:00 da noite. Temos o cuidado de explicar o que é cada horário na receita médica. Como ensinar o que o intervalo de 4 em 4 horas não se refere ao horário do dia, mas sim ao tempo entre a primeira e a segunda dose da medicação. Quanto a dúvida dos efeitos da medicação, fazemos uma pesquisa para entendermos a que um remédio se propõe a tratar e conversamos. Considero relevante os médicos saberem interagir com os pacientes surdos, detalhando o uso correto da medicação, como é preciso que siga a prescrição contida na receita. A importância de dar continuidade até o fim do tratamento, a quantidade de dias, os turnos a serem administrados. É bom que se esclareça tudo.

Discentes da Residência Multiprofissional em Saúde do Trabalho da Fiocruz (CESTEH/ENSP e CST/Copege). Este curso é resultado do Edital de Emendas Parlamentares 2020-2021, organizado pelo então deputado federal Marcelo Calero.

 

Chegamos ao final de mais um módulo. Não deixe de fazer os outros módulos sobre pessoa com deficiência visual e deficiência intelectual!