Relato de Experiência

No vídeo a seguir, vamos apresentar um relato de experiência que aborda o momento do nascimento de uma criança com deficiência, destacando as barreiras e os preconceitos enfrentados pelas famílias.

Transcrição

Tela com fundo preto contendo texto em branco. Esta licença permite que outros adaptem, remixem e criem a partir deste trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam ao autor o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Este vídeo contém audiodescrição e acessibilidade em libras. 

Então eu sou a Laís. Eu sou docente da escola nacional de saúde pública Sérgio Arouca. Sou mãe de duas crianças e uma das minhas filhas tem deficiência intelectual. E preciso dizer que sou uma capacitista em desconstrução.

Vinheta em movimento onde quatro quadrados se conectam como em um quebra-cabeça. Em cinza, trilhas da inclusão. Formação básica em acessibilidade comunicacional. Tela com fundo branco e azul. A parte branca ocupa a esquerda e o centro e se conecta com a parte azul à direita como uma peça de quebra-cabeça. Os textos estão em azul e preto. Trilhas da inclusão na perspectiva da deficiência intelectual: Relato de experiência.

Laís Costa, professora ENSP/Fiocruz 

No rodapé, quatro peças de um quebra-cabeça estão encaixadas formando um quadrado. A primeira tem fundo azul com a logo do SUS em branco. A segunda tem fundo marrom com a silhueta do Castelo da Fiocruz em branco. Abaixo, a terceira tem fundo roxo e o desenho em branco de uma lâmpada acesa. A quarta, com fundo verde, o desenho de uma figura humana de braços e pernas abertas com moldura circular. Ao lado, o texto em cinza escuro. Trilhas da Inclusão. Formação básica em acessibilidade comunicacional. 

O intérprete de libras é um homem jovem, branco, de pele morena e cabelos curtos castanhos ondulados. Usa camisa de botões preta e está de pé.

Bom, vou começar com um relato. Acho que a ideia é a gente trazer um relato, uma experiência relativa à saúde materno infantil. E aí eu queria compartilhar com vocês. Eu sou mãe de uma criança com síndrome de down. E como é que é? Eu vou compartilhar não o meu relato, mas o relato de mais ou menos 200 famílias, que a gente conversou e acolheu mais de perto, porque é uma coisa que precisa ser mudada na saúde. Quando tem uma criança com deficiência, o trabalhador ou a trabalhadora de saúde se esquece que a criança vem junto com a deficiência, eles só enxergam uma deficiência. Nesse momento muito importante, quando vem uma criança para o mundo, quando vem a sua filha para o mundo, é em vez de você receber essa criança da forma devida: “Parabéns, que linda a sua filha” e poder viver o seu momento, seu primeiro momento de maternidade, há inúmeros relatos da violência sofrida pelo sequestro desse momento, desse primeiro encontro, desse primeiro momento da maternidade ou da paternidade. É assim: “eu tenho uma notícia horrível pra te contar”! Gente, o nascimento não é uma notícia ruim, é uma notícia ótima. Eu tenho que dizer: “olha, eu não queria te contar isso, você vai sofrer bastante, bom, você vai ter que lidar. Ou então assim, você pode ter outra criança. Você tem certeza que você quer manter esse nome? Porque esse era o nome da filha que você ia ter. Mas a filha que eu ia ter nasceu. E gente quando nasce uma criança com deficiência, e eu agora tenho uma filha mais nova,eu gosto de contar assim:  olha o que diz essa imagem – nasce uma princesa, nasce uma criança que pega virose, nasce uma criança que faz amizades, nasce uma irmã mais velha, nasce uma criança espirituosa, nasce uma criança. E a outra coisa que ainda falando da saúde materno infantil é a mudança do aleitamento materno, seja para a saúde da criança, é, né? A questão também financeira. Enfim, você tem uma série de evidências da importância do aleitamento materno. Se você for conversar em mães de crianças com Síndrome de Down, quase a integralidade delas tem uma história para te contar de algum ou de vários trabalhadores da saúde falando: você sabe que seu bebê não vai amamentar, né? É porque ele é hipotônico, ele não vai amamentar. Vai ser muito difícil amamentá-lo. Aa maior parte das famílias sai com fórmula prescrita e com isso diminuindo a chance de potencializar o desenvolvimento dessa criança, de potencializar o desenvolvimento dos músculos ourofaciais, que é justamente é uma etapa importante nos primeiros meses de vida da criança com Síndrome de Down, é dessa estimulação precoce. E com isso também atravessam esse vínculo mãe e filha, mãe e filho.

E quando você vai conversar e falar que assim, gente, tem serviços como a rede banco de leite, uma rede especializada, mas ela não te dá essa orientação. Mas nem todo mundo tem acesso a essa rede, nem todo mundo tem essa mesma oportunidade.  Então, assim, tem que entender o seguinte, quando conversa com essas famílias, quase todas que conseguiram amamentar porque buscaram isso. Muitas abandonaram o aleitamento materno por essa desinformação, por esse preconceito, por esse estigma. Gente, isso não procede. Você tem uma série de características que traz desafios extras que traz desafios na amamentação que criança com Síndrome de Down também tem uma série de características. Então, assim, tem que mudar um pouco a narrativa. Os bebês com síndrome de Down, em regra geral, podem amamentar na mãe. Isso é prazeroso, isso é bacana. Isso é um momento de vínculo muito legal. E não dá para seguir com uma narrativa e seguir com uma  prescrição de uma fórmula que nega o direito ao aleitamento materno para determinadas mães e para determinadas crianças.

 E assim é muito importante, gente, porque isso não é uma questão de mau ou boa intenção. É que quando a gente não enxerga o sujeito na sua integralidade, a gente não é capaz de dar o nosso melhor, porque é o que a gente quer para cada bebê que venha ao mundo. Então, por exemplo, essa minha filha nasceu e ela teve uma infecção hospitalar, então ela nasceu sugando mamando no peito. É ali no segundo, terceiro dia, ela parou de mamar, estava parecendo um bebê em coma. Eu falei assim, foi uma coisa horrorosa. E ela só ficava parada e eu perguntava para os para os trabalhadores, para os trabalhadores de saúde: Mas está acontecendo alguma coisa com a minha filha? Não mãezinha. Gente, mãezinha, não né. É porque ela tem Síndrome de Down. Eu falei: mas e daí? Então ela vai ter dificuldade para mamar. Mas a criança com Síndrome de Down nasce mamando, e adquire a dificuldade depois? O que é que é? Gente, assim, é uma narrativa. Os trabalhadores de saúde às vezes têm muita dificuldade de sair deste lugar comum. Você olha para criança, não enxerga a criança, só vê a deficiência e coloca ela dentro de uma caixinha, da caixinha que ela não pode ou não consegue e não vê o que pode estar matando a criança. Então, quando a gente fala assim um SUS universal, é equânime, de qualidade, de um cuidado humanizado, você tem que reconhecer o humano,o outro, o outro é um ser humano. E lembrando gente, da outra questão na hora dar a notícia, a hora da notícia, eu entendo que se alguma família recebe a notícia do diagnóstico na hora do nascimento de seu filho tem alguma deficiência, essa família pode se assustar. E é muito fácil de entender por que ela pode se assustar. Eu posso contar, assim, da minha trajetória. Você busca na sua memória. Você estudou com alguma pessoa com Síndrome de Down?  Eu no caso tenho uma filha com Síndrome de Down, eu nunca tinha estudado com nenhuma criança com Síndrome de Down, eu nunca namorei um homem com Síndrome de Down, eu nunca trabalhei com ninguém com Síndrome de Down. Eu não frequento o boteco, ou sei lá, os lugares que eu frequento com gente com Síndrome de Down. Então, quando você vai buscar é o que que é aquela informação, você não tem nada, você não tem nenhum recurso. E faltam recursos não é porque a pessoa com Síndrome de Down é pior ou ruim. Não é porque ela não tenha condições de estar na escola, de aprender a ler, de trabalhar. Ela tem condições disso tudo.

Você não tem um referencial, porque a gente secreta a gente exclui. As leis, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência é muito recente. E a gente tem um arcabouço bacana no papel, mas ele ainda não se efetiva. A gente continua achando que o outro é diferente, como se nós todos fossemos parte de uma mesma diversidade ou de uma pluralidade humana. Quando eu deixo algumas pessoas dentro do invólucro da diversidade, eu não estou chamando de diversidade. Quando eu falo para algumas crianças, são especiais na escola, as outras crianças, são o quê? São normais e as especiais passam a ser o quê?

 

Com esse importante relato de experiência, terminamos este módulo! Caso você não tenha feito os outros módulos, aproveite!